quarta-feira, 15 de outubro de 2008

O Bolo de Cenoura e a colher de pau

Devia ser 1986 ou 87, eu tinha no máximo 5 anos e, nos ombros de meu pai, chegava ao portãozinho da velha casa na Vila Teixeira. Não me lembro de onde voltávamos, mas gosto de pensar que era da mercearia, onde havíamos comprado ingredientes para a receita de minha mãe. Pensar assim me faz sentir como se eu tivesse um papel na cozinha desde pequeno. Mas, naquela época, eu nem sonhava em ligar um fogão, e provavelmente vínhamos da creche ou de um parque. Nunca perguntei ao meu pai sobre esse dia, temo estragar a ficção criada por minha mente de criança.
Dos ombros, ele me devolve ao chão, abro o portão enferrujado e disparo pela escadinha estreita, deixando meu pai para trás. Assim que passo pela lateral da casa principal, rumo à casa dos fundos onde morávamos, já sinto o cheiro do bolo, provavelmente em algum efeito de déjà vu olfativo, afinal seria impossível sentir o cheiro àquela distância.
O bolo era de cenoura com chocolate. Essa deve ser a minha mais antiga recordação gastronômica (e como toda lembrança de infância, é doce).
Abro a porta de vidro e metal, único acesso à casa, e entro direto na cozinha de chão frio, de um vermelho sem pisos sobre o qual eu adorava andar descalço.
Enquanto me ponho nas pontas dos pés para espiar a panela, meu pai entra em casa, indiferente ao trabalho de minha mãe. Imagino que quem cozinha para crianças tem mais reconhecimento, mesmo que não seja com elogios diretos.
Não pergunto o que é cada coisa que ela coloca na forma, nem me interessa saber. Minha preocupação imediata é raspar a panela da cobertura assim que ela despejar aquele chocolate fumegante sobre a massa amarela.
Triunfante na missão, sento no sofá, mas não por muito tempo. Após uma piada às minhas custas, meu pai me manda lavar o rosto lambuzado. Antes, passo sorrateiro pela cozinha e passo o dedo no bolo que esfria sobre a mesa. Mal dá tempo de levar o dedo à boca, a colher de pau de minha mãe é mais rápida. Vou para meu quarto chorando e me deito de bruços na cama, lambuzando o travesseiro com o chocolate do rosto.

2 comentários:

Unknown disse...

Quando faço bolo de cenoura pra vc...vc tem um déjà vu dessa cena? que fofo...vc ainda não tinha me contado! Mas ainda acho que sua mãe deveria ter usado mais a colher de pau!

Unknown disse...

Sempre que vejo faço ou como bolo de cenoura me lembro de voce.